Uma das vozes no ativismo ambiental na Fridays for Future Brasil, braço nacional da iniciativa criada por Greta Thumberg, Samela cresceu entre as falas e lutas da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé. Hoje bióloga e colaboradora do jornal Estadão, ela atua como assessora de comunicação na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e na Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade. Também usa as redes sociais como plataforma de disseminação de informação sobre território e políticas nacionais de justiça climática, desmistificando visões deturpadas de pautas relevantes, como a demarcação dos territórios indígenas no país.
Você sempre quis usar sua voz para falar sobre direitos ambientais?
Eu não tinha ideia do que iria acontecer na minha vida quando eu era criança. Sempre estive presente no movimento indígena, especificamente no movimento de mulheres, participando de atos, manifestos e exposições, até porque eu vim da Associação das Mulheres Indígenas Sateré Mawé. E a nossa pauta sempre foi a questão de gênero, da violência contra a mulher e a autonomia delas na fabricação do artesanato. Mas eu nunca pensei que pudesse passar disso. Eu me formei politicamente ainda jovem, mas eu não sabia o que iria acontecer.
O que ainda precisa melhorar na disseminação das causas dos povos originários do Brasil?
Ainda existe preconceito estrutural e enraizado no país. E tudo que a gente vê nos grandes veículos ainda é idealizado, pensado e baseado no pensamento colonial, que faz os povos indígenas “serem isto“ ou “aquilo“. Eu acredito que um maior conhecimento da pauta indígena e da ambiental seria melhor para disseminar as causas dos nossos povos. Hoje, pela primeira vez, estamos participando ativamente da construção política de um governo, com representações do Ministério dos Povos Indígenas, na Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], na Sesai [Secretaria de Saúde Indígena] etc. Porém, acredito que ainda seja preciso trabalhar por uma construção da comunicação e da educação em relação aos povos indígenas para que as nossas pautas sejam visibilizadas da forma correta, e não tratadas como algo de menor importância.
Quais são as principais questões para o ativismo climático hoje?
Para nós, é a demarcação das terras indígenas. Sabemos que é onde existe preservação da biodiversidade, da fauna e da flora. Antes, o Brasil era território indígena em sua totalidade, agora só restou 13, 14%. A maioria dessas terras está na Amazônia e nós somos os principais defensores desse bioma, e de todos os outros. Sem a natureza, sem os rios, não existe vida no planeta. E ser contra a demarcação das terras indígenas é, portanto, ser contra a vida e o ativismo climático que defendemos.
Na sua visão, o que significa regenerar?
Nós, mulheres indígenas, falamos sobre reflorestar. Algo que existe mas é modificado, ou morre e sobrevive. Para a mudança do meio ambiente, precisamos, antes de tudo, de atitude. Precisamos reflorestar a nossa mente.
Há tempo para cuidar de si, da sua cabeça, da sua saúde?
Há pouco tempo para cuidar de mim, da minha saúde mental. Isso é um ponto bem específico, ainda mais falando de redes sociais e juventude. Parece que vivemos entre dois mundos… São tantas violações e violências que passamos, nosso território sendo negado, nossas lideranças assassinadas e criminalizadas; pessoas referindo-se a nós como inferiores. Não ter perspectiva de universidade, de trabalho, de território, é complicado ver tudo isso quando se é jovem, militante, ativista. Os números de suicídios nos parentes Guarani têm aumentado muito. Não temos tempo para nós, para descansarmos. Não temos tempo para ser jovem, ser mulher, curtir umas férias, porque vivemos em constante alerta pelas ameaças que sofremos diariamente.
A juventude ativista está alcançando lugares cada vez mais importantes. Como você se sente em relação a isso?
A juventude tem um papel muito importante no protagonismo da visibilidade dentro do movimento. Eu acredito que a gente respeita a ancestralidade, as pessoas que vieram antes da gente, dos nossos anciãos, dos nossos caciques, dos nossos pajés, dos nossos tuxauas, das nossas lideranças, porque eles nos proporcionaram os espaços que ocupamos hoje. Se eles não tivessem aberto o caminho, talvez a gente não teria ocupado esses espaços com mais facilidade. Não vou dizer com tanta facilidade, porque ainda é um ambiente fechado, elitista. Porém, era mais difícil para os que vieram antes de nós e, agora, conseguimos alcançar lugares internacionais também por conta das redes sociais. Não vou tirar o mérito da internet, que faz as vozes dos povos indígenas saírem do chão do território e irem para o chão do mundo. Quando a juventude está alinhada com a pauta do movimento, isso só tem a melhorar. Eu me sinto feliz em ver que mais jovens estão ocupando espaços de visibilidade, porque isso também inspira outros, mostra que não estamos sozinhos ou que devemos ter vergonha da nossa cultura.
O que a maternidade representa para você neste momento?
Para mim, ela representa uma forma de resistência. Durante muitos anos, eles nos colonizam, tentam nos matar, apagar a nossa identidade, não demarcar os nossos territórios, negar todo o histórico de violências e violações que eles nos fizeram... E aí quando colocamos mais uma vida indígena no mundo significa que decidimos não matar, não morrer. Mas também decidimos multiplicar, manter a nossa cultura, a nossa identidade viva. É mais uma semente do movimento, é mais uma semente da luta.
Pode nos contar um pouco sobre as transformações que você e Tukumã pensam juntos para o futuro?
Não queremos mais nenhum tipo de violência ou de mortes. Não queremos que os nossos corpos e territórios sejam negados todos os dias. Queremos fazer parte da construção política do nosso país, queremos ser consultados. E também queremos que os nossos territórios sejam demarcados.