Proposta Criativa: Photophobia e Verve Cultural

Por Ana Candida Fraia

Arte, tecnologia e muita criatividade se encontram para o nosso Proposta Criativa desta edição, com dois projetos que vale a pena conhecer. Primeiro, apresentamos o trabalho da artista transmídia Sanni Est, que vem ganhando o mundo com suas músicas, performances e trabalhos audiovisuais super tecnológicos e disruptivos. Em seguida, você confere mais sobre a proposta da Verve, uma produtora cultural especializada em unir arte e tecnologia através de experiências imersivas em espaços públicos. Esperamos que gostem!

Photophobia por Sanni Est

Da periferia do Recife para o mundo, Sanni Est é tão múltipla que se torna impossível restringi-la a simples ‘caixinhas’. Aliás, se tem algo que ela busca através de sua arte, é exatamente questionar os vários padrões que permeiam a nossa sociedade, seja na arte, na moda, na beleza, na cultura ou na sexualidade. Sobre essa busca por disrupção, Sanni explica: “desde muito cedo eu já percebi que, para poder ter um papel complexo como eu, e, ao mesmo tempo, me permitir interpretar com uma certa leveza e facilidade, enquanto mulher trans, enquanto mulher imigrante, eu tinha que escrever esse papel, porque os papéis femininos que eu conhecia eram criados para mulheres cis”.

Moradora de Berlim há 15 anos, Sanni se autodenomina uma artista transmídia, ou seja, uma artista que não limita sua expressão artística a apenas uma mídia. Seus trabalhos, que sempre envolvem muita tecnologia, performances elaboradas e um mix único de referências, vêm ganhando o mundo com sua originalidade e, sobretudo, “multicanalidade”. “Apesar de a minha paixão principal ser a música, que é o que me move mais enquanto indivíduo - fazer, compor, produzir e performar - às vezes, a narrativa que eu quero apresentar ao público não cabe apenas numa música, num álbum,” explica Sanni. 

Seu último álbum, Photophobia, foi lançado em formato de exposição audiovisual imersiva em Hamburgo, na Alemanha, e engloba animação 3D, manipulação digital de imagem, além de materiais audiovisuais e realidade virtual. “Foi uma exposição em formato de visita guiada na qual o mesmo grupo de pessoas experienciaram a narrativa do início ao fim – diferente de uma instalação onde as pessoas podem entrar e sair a qualquer momento e pegar apenas pedaços da narrativa –, o que, para mim, traz um aspecto de performance para além do audiovisual e do teatral”.

E, falando em tecnologia, para Sanni, esta vai muito além de máquinas, internet, bluetooth e outros gadgets: tecnologia é uma estratégia de vida. “Nós, enquanto sociedade e seres pensantes, sentimos limitações nos nossos poderes corporais e mentais e, então, desenvolvemos tecnologias para expandir nossas habilidades de interagir uns com os outros e com o ambiente. Para mim, a tecnologia já está no meu processo de composição e autocuradoria”, explica.

Inspirada por artistas como Björk, Chico Science e Radiohead, ela vê com otimismo as mudanças que o cenário musical vem sofrendo como consequência dos novos recursos disponíveis e até mesmo da maior facilidade de criar e divulgar o trabalho. “Hoje em dia, qualquer pessoa pode gravar uma música e soltar no Spotify, o que traz uma pluralidade muito interessante para o cenário musical. Acho extremamente interessante o que dá para se fazer nessa junção de homem e máquina, principalmente de travesti e máquina”.

Para quem ainda não conhece o trabalho da Sanni, a dica da artista para começar a se relacionar com a arte dela é pegar um bom par de fones e ouvir Photophobia. Vale também conferir o clipe Transhumang - disponível no YouTube - para uma boa dose de performance, tecnologia, arte e recursos visuais impactantes e as NFTs disponíveis no site IN.K.  Por fim, Sanni completa: “Arte vai além do jornalístico, vai além do que é realmente fatídico. Arte gera emoções nas pessoas, então esse é o meu objetivo principal. Apesar da minha arte ser tão complexa e ter tantas camadas políticas e teóricas, eu só quero ser melhor do que eu era ontem e continuar trabalhando em mim, desenvolver estratégias para o meu sucesso e das que estão do meu lado”.

Verve Cultural por Marília Pasculli

Foi na busca por humanizar o digital e utilizar a tecnologia como uma ferramenta de democratização de espaços, cultura e informação, que surgiu a Verve Cultural. Fundada em 2011 por Marília Pasculli e João Frugiuele, a Verve é uma produtora cultural que, através da tecnologia, desafia os limites da arte e transforma espaços públicos em verdadeiros museus interativos a céu aberto. Diferente das obras de arte que estamos acostumados a ver em espaços de acesso restrito e, consequentemente, pouco democráticos, as produções artísticas da Verve ocupam locais que fazem parte do cotidiano das pessoas que habitam e vivem a cidade.

A ideia de criar a Verve, segundo Marília Pasculli, surgiu “da vontade de transformar a cidade, de criar canais de comunicação, projetos e ações com curadoria autoral de forma acessível aos cidadãos e de implementar plataformas expositivas que integrassem arte, cidade e público”. Para eles, o sucesso do trabalho está relacionado ao engajamento do público com as obras e com a diversidade de emoções que estas causam. “No nosso trabalho, reforçamos que a obra digital deve estar além da admiração e da facilidade da tecnologia. Nos pautamos em ‘o que a tecnologia pode fazer pela nossa prática artística’, em vez de ‘como nossa produção pode servir à epopeia da tecnologia’”, reforça Marília.

O processo criativo da Verve envolve desde o estudo do espaço público - considerando todas as suas variáveis e limitações - até o desenvolvimento de toda a trama criativa com os artistas - as questões sociais dos locais de implementação e a tecnologia que será utilizada -, para, então, chegar aos detalhes técnicos, a construção das obras e, por fim, a abertura para o público. “Quando a instalação se implementa, nos deparamos com a parte mais prazerosa, que é permitir e perceber a cocriação do público. E, por mais que consideramos a relação com a tecnologia intuitiva, as reações e o uso do público sempre surpreendem”.

Entre seus projetos que merecem destaque, está a Mostra Play!, que aconteceu no começo de 2022 no Vale do Anhangabaú com o objetivo de ativar as relações sociais em espaços públicos após o período mais crítico da pandemia em São Paulo. Lá, um container de LED repleto de obras de game arte convidava os transeuntes a participarem e interagirem sem que houvesse necessidade de contato físico com as interfaces. Um exemplo é a obra Vice-Verso, de Dimitre Lima, Koral Alvarenga e Gabi Castro, que reconhecia principalmente os olhos, de forma que as pessoas pudessem interagir sem retirar as máscaras. 

Quanto à importância da tecnologia para o mundo da arte, Marília nos lembra que esta não deixa de ser um modo de produção de arte. “A arte sempre utilizou dos meios disponíveis para se expressar. Em seu tempo, a tinta a óleo foi uma tecnologia transformadora, assim como mais recentemente foi a fotografia, o vídeo e a internet. A questão é que a tecnologia digital não impacta somente o universo da produção artística, mas toda a sociedade em um ritmo acelerado crescente”, ressalta. A principal mudança, segundo ela, está no fato de que nos tornamos meios de comunicação em massa ambulantes vivendo em um mundo onde raramente se diferencia o on-line do off-line. 

Sobre o futuro, Marília vislumbra o crescimento dos universos digitais em rede, como é o caso do metaverso. “Ainda é um vislumbre experimental, e longe de ser democrático, mas também um excelente desafio artístico para criar e conduzir experimentos sociais lúdicos radicais. Pois é um campo que aglomera virtualmente pessoas de todo o mundo, ativando comunidades com interesses comuns,” explica. Outra mudança que vem transformando o mercado da arte são as NFTs. “Ao integrar todos os dados sobre uma obra de arte digital, a NFT torna-se uma ferramenta poderosa para aquisição e distribuição de arte digital, que por natureza, não são tangíveis e facilmente incorporadas no metaverso.” Que venha o futuro da arte!

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