Quem Entende com Carol Piccin

É tempo de Regeneração

Quando eu tinha 18 anos e comecei a trabalhar com gestão ambiental, não se falava ainda em “sustentabilidade”. Essa palavra veio do mercado financeiro, sugerindo que é preciso saber viver ao longo do tempo com sabedoria, sem quebrar. 25 anos se passaram e estamos quase quebrando, porque a ecologia e a economia estão separadas.  

Poluição do ar, da água, do solo, queimadas, secas, desmatamento por gado e madeira, o agronegócio ainda em monocultura, o clima mudando drasticamente, as barragens da mineração rompendo, os vírus, a fome, a política sem noção, ativistas assassinados etc. 

De fato, é preciso regenerar. Curar. E é possível!

Essa palavra, regeneração, é inspirada na biologia. Lembra as células saudáveis que possuem o potencial de salvar as doentes à sua volta. Já a sustentabilidade é se manter ao longo do tempo com qualidade. Por isso que, no momento, o que precisamos é regenerar para depois voltar a sustentar. 

Há uns 200 anos, Alexander Von Humboldt já nos alertava que se destruirmos a biodiversidade do planeta também seremos destruídos. Nos anos 1960, apareceram os primeiros ativistas ambientais trazendo preocupação a respeito do futuro do nosso planeta versus o desenvolvimento desenfreado. Em 72, a ONU alarmou o mundo todo para preservar os recursos naturais que, até então, pareciam ser inesgotáveis. E então aconteceram vários encontros entre países para regularizar nossas ações. 50 anos se passaram e estamos na Década da Restauração (2021 – 2030), declarada novamente pela ONU com o intuito de mobilizar lideranças e consertar estragos ambientais, reconstruir florestas, garantir nossa qualidade de vida, de saúde e cuidar da economia. Afinal, falamos em preservar recursos e estamos acabando com eles. Repararam a mudança? Os recursos, antes, precisavam ser preservados. Agora, eles precisam ser restaurados, regenerados.

A dupla “produção & consumo” vai mudar

Uma parte do meu trabalho é mostrar as soluções com relação ao uso dos recursos que são retirados da natureza. Os materiais. Criei a MateriaLAB Design, uma empresa que pesquisa materiais para auxiliar profissionais criativos a desenvolverem as nossas ferramentas de vida de forma inteligente. 

Tudo o que embala, decora, constrói, veste, alimenta, os bens de consumo etc., são originários do planeta Terra e toda atividade gera impacto. Fazendo uma relação com a produção e o consumo (e nós dentro dessa situação) aparecem algumas tendências e apontamentos:

1. Todos somos designers e criadores. Portanto, temos responsabilidade.

Design é desígnio, é intenção, é planejamento. Design regenerativo (deem um google no Daniel Wahl) é uma forma de realinharmos a relação dos seres humanos com o planeta, em formato aplicado. Como posso desenhar com respeito? Buscando alternativas sustentáveis e circulares, focando em deixar um legado positivo por onde piso. 

2. É necessário desenhar coisas circulares.

Circularidade serve para combater os excedentes de um processo e dar um destino adequado a eles. Pode ser excesso de matéria, água ou energia, portanto, dinheiro. Por isso, chamamos de Economia Circular. É a lógica do aproveitamento (saiba mais sobre a metodologia Cradle to Cradle na seção 10/10). Para vocês entenderem os dois ciclos que devemos focar: 

CICLO TÉCNICO: Algo feito a partir de resíduos ou algo que vai durar por muitos anos e que pode ser reciclável. Exemplos: restos de obra que se transformam em pisos e objetos. Resíduo de isopor que deixa o cimento mais leve para design. Novo feltro a partir de tecidos e borracha reciclados. Plástico que se transforma em móveis e acessórios.

CICLO BIOLÓGICO: Algo que é feito à base de vegetais, fungos e bactérias ou que pode compostar, virar terra novamente. Exemplos: tecidos à base de celulose bacteriana. Resina vegetal que substitui o selante PU. Tijolos e tecidos à base de cogumelos. Os novos tecidos à base de cascas dos cactos, da maçã, da folha do abacaxi. Borras, fibras e sementes se transformam em novos produtos.

3. Saber de onde vem e para onde vai. 

Perguntar para as marcas a origem das coisas, para entender a legalidade. 

Checar a composição dos produtos para sabermos como aplicá-los e como usá-los com inteligência. Saber como as coisas foram feitas, as embalagens, a geração de resíduos e como foi a utilização de água e energia.

4. Economia compartilhada pode ser um modelo de negócio que contribui para a diminuição da produção e do consumo. É uma questão de sair da posse e ir para o uso ou para a experiência, como o aluguel de carros e de bicicletas, Airbnb, Uber, Troc, Repassa, Roupateca, logística reversa de marcas permitindo que a gente compre um serviço e não um produto.  

5. Apoiar produtos das florestas que fortalecem comunidades locais (gerando renda) pode resultar em cuidados e proteção das florestas. Sementes, óleos e fibras diversas, que muitas vezes são resíduos da produção do alimento. Pessoas ativas e felizes cuidam do que as sustenta! 

6. A ECOnomia e a ECOlogia devem fazer as pazes. Os recursos e as commodities vêm do mesmo local. O ECO é o mesmo: a casa, o planeta Terra. A produção e o consumo com consciência despertam daí. A otimização de recursos faz com que sempre tenhamos o que queremos. Economia saudável e abundante. 

A regeneração está em alta e vai ditar comportamento. As marcas e pessoas que não seguirem o caminho da regeneração ou da sustentabilidade precisam repensar sua função existencial e coletiva. Não queira a perfeição. Comece, pois é urgente!

@materialabdesign @carolpiccin1212

Foto: André Giorgi

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