10/10 com Karine Oliveira

Por Mariana Lourenço

Nomeada uma das mentes brilhantes pela Forbes Under 30, Karine Oliveira é mesmo pura inspiração. Há três anos ela fundou a Wakanda Educação Empreendedora, empresa que elabora cursos de formação e traduz conteúdos de negócios para linguagem informal e regional por necessidade, permitindo acesso e fortalecimento de negócios periféricos. Há mais de 9 anos, Karine vem atuando em movimentos sociais na busca de emancipação para a população negra, com objetivo de auxiliar iniciativas de empreendedorismo para a comunidade LGBTQIA+ e, principalmente, para mulheres negras. Em bate-papo especial para o Jornal Coletivo, ela contou mais sobre a ideia de criar a Wakanda e a importância de incentivar o empreendedorismo de rua. Confira:

1 - O que te motivou a criar um negócio de impacto social?

Antes de criar a Wakanda, eu já trabalhava há cinco anos com assessoria de pequenos negócios e sempre para negócios de geração de renda coletiva, o que chamamos de economia solidária. Então, de certa forma, sempre trabalhei para impactar populações vivendo à margem da sociedade, fossem elas quilombolas, comunidades indígenas, mulheres negras ou pessoas periféricas. Assim surgiu a ideia para a Wakanda. Foi uma escolha estratégica, porque a maioria das pessoas que trabalha com empreendedorismo quer trabalhar com grandes empresas, ou para quem empreende por opção, e eu ficava me perguntando: "quem olha para quem empreende por necessidade?" Foi para atender toda essa galera que muitas vezes as pessoas não enxergam, mas que são essenciais para a construção da nossa sociedade, que criei a Wakanda. 

2 - Quais foram as maiores dificuldades em criar a Wakanda?

No início da Wakanda, as maiores dificuldades foram os acessos estruturais como crédito, tanto que tivemos que começar somente com recursos próprios e nenhum tipo de investimento. Além disso, não fomos muito bem acolhidas por todo o ecossistema de empreendedorismo de Salvador por conta da linguagem informal e simplificada que propúnhamos. Foi quando decidimos focar em atender principalmente mulheres negras e empreendedoras por necessidade, que a chave virou. Esse público periférico validou a nossa metodologia de ensino desde o primeiro momento.

3 - Por que é tão importante para o pequeno empreendedor investir em conhecimento?

É aquela frase clichê: conhecimento é a única coisa que não podem tirar de você. Além disso, muitas vezes empreendemos de uma forma muito penosa, muito árdua, principalmente os empreendedores por necessidade, e é através do conhecimento que aprendemos as técnicas, as estratégias - o que te faz trabalhar menos e entender mais. É através do conhecimento que entendemos que, para transformar nossa vida em uma vida digna, o trabalho não precisa ser penoso - como a herança escravocrata de trabalhar 12h a 16h por dia sem ganhar nada. Além disso, é importante que o conhecimento se aproxime da sua realidade e que reconheça as suas necessidades.

4 - Quais são as maiores diferenças entre o empreendedorismo de rua e os negócios tradicionais?

A diferença é o tempo. Enquanto o empreendedor tradicional consegue ter tempo de maturação antes de abrir a empresa, nem que seja só o tempo de alugar o espaço, fazer reforma e instalar equipamentos, o empreendedorismo de rua acontece mais rápido, geralmente no mesmo dia, acontece por subsistência. Imagina a realidade de uma empresa que nasceu hoje e já tem que dar lucro hoje porque é essa grana que vai sustentar toda uma família. O empreendedor de rua tem que trocar a roda do carro com ele andando porque, se parar, o bicho pega. Já o empreendedor tradicional tem tempo para respirar, analisar os dados e, às vezes, até conseguir crédito. Além disso, no empreendedorismo tradicional, existe todo um projeto de crescer e chegar ao ponto de equilíbrio ou aumentar exponencialmente. No de rua, os empreendedores geralmente querem dar uma vida digna para a família, ou seja, os motivos de escolha dos indicadores são muito diferentes.

5 - Você acredita que traduzir a linguagem dos negócios é a melhor forma de tornar o empreendedorismo mais inclusivo?

Com certeza. Pensa em quando você vai para uma palestra e sente que aquela pessoa escolheu uma linguagem que não te acolhe em momento nenhum, parece que ela não está falando com você. É possível explicar a mesma coisa de várias formas diferentes para poder acolher os diversos pontos de vista que existem. Nem toda empresa nasce do mesmo jeito, nem começa com investimento, nem começa com tempo. Nós percebemos que as empresas não têm uma receita de bolo para nascer e, por isso, a linguagem não pode ser tradicional, focada ou fechada. Tem que tentar acolher ao máximo a diversidade de diversos pontos de partida - é muito incrível quando você fala pra alguém que olha pra você e se reconhece na fala, porque você trouxe a realidade dela para a dialética e isso é extremamente importante.

6 - A criatividade e a inovação podem mudar a realidade da periferia?

A criatividade e a inovação não só podem mudar a periferia como já mudam. Por conta de todos os obstáculos estruturais que enfrentamos, temos que ser extremamente criativos e inovadores, porém, na maioria das vezes, essa inovação não está nos holofotes. É dentro das comunidades que você vai achar mais inovação - aprendemos a nos virar por não ter o apoio de ninguém. Por isso, mais do que trazer mais inovação e tecnologia para a comunidade, nós precisamos começar a viabilizar a criatividade e a inovação que já existem na comunidade, olhar para elas com mais força e investir mais, e ensinar a periferia a ganhar dinheiro, porque criativos nós sempre fomos.

7 - Explica para nós o que é o “Pitch de Buzu”?

É bem simples. Dentro do empreendedorismo existe uma técnica de apresentação rápida em que o objetivo é você conseguir a segunda chance, despertar a curiosidade da pessoa que está ouvindo. Mas imagina só, no ônibus, às vezes, vem aquele poeta, vendedor ou vendedora, até no metrô mesmo e, rapidamente, ele consegue não só alegrar o seu dia, te divertir, como mostrar o produto que está vendendo e chamar sua atenção. O modo como ele te apresentou e chamou sua atenção é o que chamamos de "Pitch de Buzu", uma apresentação rápida que nossa galera faz, no ônibus, no metrô, pra vender, pra apresentar um negócio ou simplesmente conseguir uma oportunidade. 

8 - Que dica você daria para quem quer criar seu próprio negócio, mas não sabe por onde começar?

Primeiro, escreva sobre o que você quer fazer, se permita. Segundo, olhe em volta e, se tiver tempo, pesquise que tipo de problema o que você quer criar resolve. Outra coisa super importante é a análise da concorrência - sempre vai ter quem faça a mesma coisa que você ou resolva um problema que o seu cliente tem, isso vai te ajudar a saber por onde começar. Por fim, comece por uma habilidade sua, vai ser mais fácil melhorar em algo que você já é boa do que começar do zero com uma habilidade que não tem nada a ver.

9- Como foi ser nomeada pela Forbes Under 30?

Ser nomeada pela Forbes é a realização de um sonho, acho que foi o ponto auge e foi muito representativo pra mim, pra comunidade, para as minhas empreendedoras e para a empresa também. Foi a validação das validações, a partir dali ninguém mais teve dúvidas de que a minha metodologia funciona e é super importante. 

10 - Você acredita que o empreendedorismo deve ser ressignificado? Como?

O empreendedorismo precisa ser ressignificado para ser mais inclusivo, para que inclua pessoas com deficiência, LGBTQIA+, quilombolas, mulheres etc. Precisamos tirar essa imagem do homem branco de terninho e gravata. O empreendedorismo tem que ser brasileiro, somos um povo tão diverso, incrível e criativo, que se abrasileirarmos as coisas, vamos começar a exportar esse conhecimento em vez de importar. A gente tem muito a ensinar para o mundo todo com esse nosso jeito resiliente e enérgico de criar empresas.

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